A Limitação das Multas Tributárias

Para examinar a limitação das multas tributárias, é preciso diferenciar suas espécies.

Existem basicamente três espécies de multas tributárias: (a) a moratória; (b) a punitiva isolada; e (c) a punitiva acompanhada de lançamento de ofício.

A multa moratória incide no caso de declaração do tributo devido e omissão ou atraso quanto ao pagamento do mesmo.

A multa punitiva isolada decorre, notadamente, de violação de obrigações acessórias como, por exemplo, no caso de atraso de entrega de declarações.

A multa punitiva em lançamento de ofício, por sua vez, decorre de uma infração tributária, caracterizadora ou não de sonegação fiscal, como no caso de inexatidão do lançamento sujeito a homologação. Dá-se, por exemplo, quando o contribuinte omite receitas tributáveis, aplica alíquotas inferiores àquelas que o Fisco julga adequadas, ou, ainda, quando se credita indevidamente de valores na apuração do tributo, reduzindo o saldo a pagar.

Uma vez que União, Estados e Municípios possuem diferentes regramentos quanto às multas tributárias, promovendo muitas vezes exigências indecentes e inviabilizadoras da quitação das obrigações, os excessos são reiteradamente discutidos no Judiciário, arguindo-se a natureza confiscatória das punições com fundamento no artigo 150, inciso IV, da Constituição Federal:

Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios:

IV – utilizar tributo com efeito de confisco;

O Superior Tribunal de Justiça examinou diversos casos levados à Corte e, por algum tempo, afirmou que as multas não tinham natureza tributária, razão pela qual a vedação constitucional sequer poderia ser a elas imposta (REsp 327.315). Em outros momentos, decidiu que haveria necessidade de exame caso a caso, cumprindo ao contribuinte demonstrar que a multa imposta lhe subtrairia de forma substanciosa o patrimônio ou a renda (ROMS 19.504). Atualmente, o STJ vem decidindo no sentido de que o exame da matéria é estritamente de natureza constitucional.

 

O Supremo Tribunal Federal já enfrentou o exame da natureza confiscatória das multas em diversas ocasiões, com algumas variações:

Em 1998, o Tribunal Pleno, com relatoria do Ministro Celso de Mello, examinou multa punitiva isolada em percentual igual a 300% sobre o valor do bem ou serviço em caso de não emissão de notas fiscais: julgou-a confiscatória (ADI 1075);

Em 2002, o Pleno também examinou multas moratórias estabelecidas em valor mínimo de 200% e punitivas de 500%, também entendendo-as confiscatórias (ADI 551) – havendo voto do Ministro Marco Aurélio asseverando que as multas abusivas seriam aquelas que ultrapassam o valor do principal;

Em 2011, no exame de Recurso Extraordinário julgado em sede de repercussão geral e relatado pelo Ministro Gilmar Mendes, o Tribunal, em sua composição plenária, declarou razoável e não confiscatória a multa moratória fixada em 20% (RE 582.461), anotando que seria entendimento da Corte que as multas moratórias superiores ao valor do principal seriam confiscatórias;

Em 2012, em um julgamento realizado sobre a exigibilidade e razoabilidade de multa punitiva (acompanhada de lançamento de ISS), relatado pelo Ministro Luiz Fux, a 1ª Turma do STF asseverou que a orientação da Corte seria de que a natureza confiscatória se verificaria acaso importasse em exigência duas vezes superior ao tributo (AI 830.300);

Em 2013, a matéria foi novamente apreciada, desta vez pela 2ª Turma e com a relatoria do Ministro Ricardo Lewandowski, sustentando que o entendimento da Corte é de que são confiscatórias as multas fixadas em 100% ou mais do que o valor do tributo (RE 748.257);

Em 2014, a 1ª Turma do Supremo examinou e declarou confiscatória uma multa punitiva aplicada em 120% (do valor do tributo devido) e decorrente de omissão da obrigação tributária em declaração enviada ao Fisco Estadual (RE 833.106), cumprindo notar que o Estado de Goiás, que promovia a exigência, já havia alterado o Código Tributário Estadual no ano de 2012 e reduzido a penalidade, à espécie, para valor igual a 100% do valor do tributo;

Finalmente, em 2015, a 1ª Turma do Supremo reexaminou a questão das multas moratórias e declarou confiscatória a cobrança realizada no patamar de 30%, determinando sua readequação ao patamar de 20% do valor da exigência, por se tratar de “mero desestímulo ao adimplemento tardio da obrigação tributária” (RE 727.872).

Nesse último julgamento sobre a matéria, o Ministro Roberto Barroso fez pertinente separação do assunto, diferenciando e pontuando as multas moratórias e punitivas:

“Conforme já afirmei, até o presente momento, a jurisprudência tem oscilado sobre o adequado dimensionamento dos encargos, para o fim de determinar se um tributo ou uma multa é confiscatório ou não. Se a Corte convivia com o questionamento de saber quanto pode ser excessivo, após minhas reflexões, visualizo um adendo a indagação: quanto é excessivo com relação a qual espécie de multa?

(…)

A tese de que o acessório não pode se sobrepor ao principal parece ser mais adequada enquanto parâmetro para fixar as balizas de uma multa punitiva, sobretudo se considerado que o montante equivale a própria incidência. Após empreender estudo sobre precedentes mais recentes, observei que a duas Turmas e o Plenário já reconheceram que o patamar de 20% para a multa moratória não seria confiscatório. Este parece-me ser, portanto, o índice ideal. O montante coaduna-se com a ideia de que a impontualidade é uma falta menos grave, aproximando-se, inclusive, do montante que um dia já foi positivado na Constituição.

(…)

Com base em tais razões, entendo pertinente adotar como limites os montantes de 20% para multa moratória e 100% para multas punitivas.”

Muito ainda pode ser debatido sobre o assunto, mas o exame das decisões do Supremo Tribunal Federal demonstra uma tendência de pacificação da matéria no sentido de que, à luz do artigo 150, IV, da Constituição Federal (impossibilidade de tributação com efeito confiscatório), as multas moratórias estão efetivamente limitadas ao patamar de 20% (vinte por cento), enquanto que as multas punitivas não podem ser superiores à 100% (cem por cento) do valor da obrigação tributária principal.

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