A Demurrage e a Suspensão das Ações de Cobrança em razão da prescrição

Entre tantos assuntos que preocupam os importadores está a cobrança de sobre-estadia em razão da demora na devolução dos contêineres ao armador, denominada demurrage.

O problema é significativo porque o custo de alguns dias da demurrage é superior ao preço do frete marítimo e uma demora mais prolongada pode corroer qualquer margem de lucro que o importador buscava com a venda de produtos importados.

Se a retenção da carga, por exemplo, por motivos de fiscalização, ultrapassar um mês, o custo da sobre-estadia pode ser superior ao preço do próprio contêiner.

A situação é evidentemente absurda, mas enquanto em todos os ramos do direito a equidade, proporcionalidade e razoabilidade são diuturnamente aplicadas para afastar a cobrança de multas que ultrapassam a própria obrigação principal, no que diz respeito à demurrage a legislação brasileira é bastante firme para defender o direito de cobrança dos armadores.

Vale dizer que não apenas os valores, bastante elevados, seriam discutíveis ao exame de qualquer cidadão, mas considerando que os valores são calculados em dólares americanos, também a arbitrariedade da data de fechamento do câmbio para cálculo dos valores devidos combinada com a volatilidade da moeda americana podem trazer grandes prejuízos para as empresas demandadas.

Todas são matérias possíveis de discussão, mas outra questão ganhou relevância recentemente: o prazo prescricional para sua cobrança.

Isto porque há bastante tempo discute-se em vários Tribunais estaduais qual o prazo que os armadores dispõem para promover a cobrança judicial dos valores.

Enquanto a matéria parecia resolvida, inclusive no Superior Tribunal de Justiça, quando a 2ª Seção julgou o Resp nº 1.340.041 e afirmou que o prazo prescricional para o transporte unimodal seria de cinco anos, várias decisões foram proferidas Brasil afora acolhendo o prazo de um ano para cobrança da demurrage, na forma do artigo 22 da Lei nº 9.611/1998:

Art. 22. As ações judiciais oriundas do não cumprimento das responsabilidades decorrentes do transporte multimodal deverão ser intentadas no prazo máximo de um ano, contado da data da entrega da mercadoria no ponto de destino ou, caso isso não ocorra, do nonagésimo dia após o prazo previsto para a referida entrega, sob pena de prescrição.

Em 07/11/2019, ressaltando que o precedente do STJ examinou e julgamento um caso em particular, o que autorizaria o reexame da matéria, o Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva reconheceu a relevância da discussão com a concordância de seus pares, submetendo o julgamento do Resp nº 1.819.826 ao rito dos recursos repetitivos:

PROPOSTA DE AFETAÇÃO. RECURSO ESPECIAL. RITO DOS RECURSOS REPETITIVOS. DIREITO CIVIL. AÇÃO DE COBRANÇA POR SOBRE-ESTADIA DE CONTÊINERES. DEMURRAGE. TRANSPORTE MARÍTIMO. UNIMODAL. PRAZO PRESCRICIONAL.

1. Delimitação da controvérsia: definir o prazo prescricional da pretensão de cobrança de despesas de sobre-estadia de contêineres (demurrage) fundadas em contrato de transporte marítimo (unimodal).

2. Recurso especial afetado ao rito do art. 1.036 do CPC/2015.

Em razão desta decisão, todas as cobranças de demurrage que envolvem a discussão sobre o prazo legal para cobrança da demurrage devem ser sobrestados até ulterior julgamento do recurso representativo da controvérsia.

Sobre o mérito da discussão, que deve suspender milhares de cobranças semelhantes em todo o Brasil por tempo indeterminado, deve-se ressaltar que o precedente anterior do STJ é bastante sólido.

Quando do julgamento do Resp nº 1.340.041 a decisão favorável à prescrição quinquenal foi vencida pelo placar de 5×3, sendo favoráveis os Ministros Ricardo Villas Bôas Cueva, Marco Buzzi, Moura Ribeiro, Maria Izabel Gallotti e Antonio Cargos Ferreira; e contrários os Ministros João Otávio de Noronha, Raul Araújo e Paulo de Tarso Sanseverino.

Atualmente, a 2ª Seção do STJ é Presidida pela Ministra Izabel Gallotti, e é composta por outros 4 ministros que já se pronunciaram favoravelmente à aplicação do prazo quinquenal, por 2 Ministros que acolheram o prazo ânuo (Raul Araújo e Paulo de Tarso Sanseverino) e pelos Ministros Luis Felipe Salomão e Nancy Andrighi, que ainda não se manifestaram sobre o tema; indicando que a tese do prazo de 5 anos deve ser mantida, salvo mudança de voto de algum dos entendimentos anteriores.

Rafael Cotlinski Canzan

OAB/PR 31.570

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